sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Dr. Casca-Grossa

Orgulho acima do ouro no ringue

O ringue armado embaixo do viaduto recebeu algumas lutas insossas naquela tarde de sábado, o campeonato de amadores na quinta-feira foi mais emocionante. O dia chuvoso e cinzento ajudou a tirar o ânimo dos poucos espectadores sentados em suas cadeiras de plástico doadas pelos bares das esquinas.

A música no último volume anunciava a entrada do ex-desafiante ao cinturão nacional dos peso-pesados, ele mudou para a categoria de cruzadores, precisava de um oponente, porém “é difícil achar gente corajosa hoje em dia”. Do fundo surgiu uma figura de musculatura densa, braços de super-herói, estava em sua melhor forma.

Os fãs mal escutaram o nome do adversário, subiu ao ringue um homem alto que pode ser considerado forte, mas nada extraordinário, não tinha sapatilhas então usou sapatos e para completar um “shorts que ele deve ter vindo direto do churrasco, olha a pança dele” gritou um pugilista profissional na platéia.

Uma seqüência de gargalhadas se seguiu, uma chegava a ser a de um louco, pois não parou durante o combate inteiro, o jovem estava sofrendo um ataque de risos. “Aff... O cara trouxe o filho pra vê-lo ser surrado”, o mesmo pugilista que criticou sua indumentária ria de sua conduta. O garoto estava ao lado do ringue e a cena parecia saída do filme O Campeão.

Aquele lutador era um caso inesperado, um novato com mais de 40 anos que estava lá para testar o seu valor, mas diferente dos outros homens maduros que buscam adversários de semelhante idade este topou encarar um dos principais nocauteadores da região. A cada soco de seu algoz, um som de agonia, seguido pela gargalhada do louco.

O que se seguiu no ringue foi um massacre, mas o homem que foi bombardeado pelo canhão de um tanque Panzer não se rendeu de joelhos. Jogaram a toalha, mas ele não pediu e sentiu-se frustrado pelas atitudes de seus segundos. O outro não foi em nenhum momento covarde, apenas cumpria sua tarefa.

Daquele sábado aquele foi o homem de maior valor, alguns “atletas” se jogavam ao chão para receberem sua bolsa sem se machucar muito.

O gladiador anônimo abraçou seu executor ao término da contenda, não guardava rancor, pois estava feliz, escutou que foi um dos mais corajosos que já subiram no ringue com ele. Acostumado com as batalhas verbais nos tribunais e firmas de advogados, seus olhos, músculos e coração clamavam por um combate real e foi isso que o colega de luvas lhe deu, a chance de se sentir vivo.

O boxe é muito mais que cinturões, troféus, medalhas, coroas, cetros, ele é o orgulho do ser humano que entra no ringue, e naquela tarde um combatente venceu, porém outro ganhou algo mais importante, o direito de erguer sua cabeça e dizer “eu fiz”. Muitos “campeões” que se escondem atrás de cinturões e cifras, mas poderiam aprender algo com esse verdadeiro CAMPEÃO.



Foto: Dr. Marcelo de Jesus Cortez (centro) e Pedro Otas (direita)