segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Tornado Domesticado

Ficção - Conto

Para muitos lutadores a carreira não é encerrada em cima do ringue com uma cerimônia, ou após um grave ferimento numa batalha épica. Boa parte dos casos terminam com o guerreiro fantasiado de trabalhador braçal ou de escriturário obedecendo às ordens de alguém que não é seu mestre e às vezes se mostra como um inimigo.

O dia do trabalho me lembrou uma figura particular, Pedro. Após sucessivas tentativas em campeonatos de diversas modalidades falhou em ir para as olimpíadas e para a profissionalização no esporte de luvas. O único sucesso que conseguiu foi um trabalho como segurança em uma firma. “Queria que a vida fosse que nem no Rocky 2 que ele tenta trabalhar não consegue e então descobre que tem que voltar pro boxe”.

O rapaz é jovem, tem 23 anos, mas a cara de um homem de 30 com a responsabilidade de sustentar duas crianças do qual não é pai de uma, a companheira com a qual não tem uma união registrada no cartório, a mãe que sempre foi solteira e um irmão dependente químico. Pedro sempre foi um “marido” para a mãe e hoje continua ocupando a cadeira de patriarca. “O cinturão mundial seria a saída para essa vida que tenho”.

No começo da semana me contou como foi ridicularizado no serviço, antes ele era o Tornado, apelido baseado no cantor-ator dos festivais dos anos 60 e novelas globais por causa da semelhança do corte de cabelo. A alcunha também se encaixava porque ele finalizava suas lutas rápida e brutalmente.


Mais um soldadinho de chumbo


Antes de ser contratado o ordenaram à raspar o cabelo e ainda a barba “Dom Pedro I” e também usar sempre roupas que escondessem suas tatuagens, um corcel negro empinando no braço direito, o mapa da África no peito esquerdo e o nome Juliana no pescoço – a parceira dele. Sua personalidade mudou, não era mais o peso-pesado ágil que encantava os fãs de boxe com seu gingado e sorriso, agora era só o Moraes como faziam questão de chamá-lo pelo sobrenome.

Sem o cabelo afro e a barba, o calção rubro-negro e as tatuagens, Tornado morreu, e veio Pedro Moraes, tolhido no andar e taciturno na fala. “Mais um baianão tentando ganhar a vida e não fazer nenhuma besteira, e olha que eu sinto uma vontade de explodir e aí que a galera me provoca mais”.

“É como o Rambo falou no primeiro filme, no campo de batalha nós temos um código de honra, é um cuidando do outro, aqui fora eu não tenho nada, eu não sou nada. Aqui falta honra, é um querendo puxar o tapete do outro, pelo menos entre a peãozada é mais suave, mas já esses engravatados quanto mais grana têm mais sujos eles são”. O Tornado por um tempo voltou, mesmo escondido sob um terno cinza. “Nem preciso do meu uppercut. Um jab já mata o vagabundo.”

Quando me despeço dele, o boxeador lamenta não ter ido além da terceira série e pensa em retomar os estudos. Enquanto me distancio o vejo ensaiando socos no ar, pulando como se tivesse uma corda ali e seu técnico gritando ao seu ouvido, percebe o que está fazendo no olhar e riso de deboche de um dos superiores da empresa. Entro no ônibus e lembro dos muitos Tornados que conheci, penso nos que ainda conhecerei e lembro que sou um deles também.

Nota do Editor: Tornado é o retrato de diversos lutadores brasileiros em um só.